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"A TV aberta não vai morrer, vai evoluir", afirma Antonio Zimmerle, ex-diretor da Globo

Nos 60 anos da Globo, Antonio Zimmerle analisa o passado e o futuro da TV aberta e da emissora, destacando inovação, relevância cultural e transformação do setor


Antonio Zimmerle sorrindo e ao fundo o logotipo da Globo
Antonio Zimmerle foi diretor da Globo SP por 40 anos - Foto: Montagem/NaTelinha
Por Sandro Nascimento

Publicado em 27/04/2025 às 08:00,
atualizado em 27/04/2025 às 16:42

Na semana em que a Globo celebra seus 60 anos, esta coluna do NaTelinha entrevista o executivo Antonio Zimmerle, que, ao longo de quatro décadas, desempenhou o cargo de diretor de programação da emissora em São Paulo. Zimmerle integra o seleto grupo de executivos que se tornaram especialistas em televisão. Na conversa, ele realiza um balanço do período em que esteve na Globo, relembra fatos marcantes e apresenta uma visão sobre o futuro da televisão aberta.

 "A TV Globo segue líder de audiência. É incontestável seus ratings, bem como o share de sua participação no mercado publicitário. A TV Aberta no Brasil sempre terá uma relevância como um veículo que tem a possibilidade de atingir mais de 220 milhões de pessoas em sua cobertura satelital, em um país que é um continente", avalia o Zimmerle.

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Na sua visão, a TV aberta no Brasil não desaparecerá, mas vai se transformar para ocupar um novo papel no ecossistema de mídia.  O executivo também ressalta que as emissoras precisam inovar, baseando-se em pesquisas de mercado e desenvolvendo formatos que valorizem a cultura brasileira, ao invés de replicar modelos estrangeiros.

Para Antonio Zimmerle, programas ao vivo, jornalismo confiável, novelas e futebol seguem como pilares de audiência, enquanto a TV aberta continua sendo central durante momentos cruciais, como eleições e eventos nacionais.  

"O futuro da TV brasileira pode estar na sua capacidade de ser menos genérica e mais próxima. Regionalizar é um caminho natural para isso."

Antonio Zimmerle

Globo 60 anos: Confira a entrevista completa com Antonio Zimmerle

\"A TV aberta não vai morrer, vai evoluir\", afirma Antonio Zimmerle, ex-diretor da Globo

Durante seus 40 anos na Globo, quais foram os momentos mais marcantes ou desafiadores que você enfrentou?

Antonio Zimmerle - Ao olhar para trás, depois de 40 anos dedicados à programação da maior rede de televisão do país, o que mais me vem à mente são as pessoas, os desafios criativos e a constante evolução do nosso meio.

Quando comecei, a televisão era muito diferente do que é hoje, mas a paixão por contar boas histórias e levar conteúdo de qualidade sempre foi o coração do meu trabalho.

- Estados Unidos em 1994 e presenciar a explosão do maior jogador de futebol do mundo, Pelé, juntamente com a lenda da narração esportiva, Galvão Bueno, naquele grito... “é tetraaaaaaaaaaa...”

- A estreia da novela “PANTANAL” da Rede Manchete em 1990. Montamos estratégias diárias para segurar o sucesso da concorrente.

- Estreia do Faustão na Globo em pleno domingo, onde imperava o domínio do apresentador Sílvio Santos.

- Carnaval de São Paulo, tão esquecido. Apaziguamos divergências entre as escolas de samba dos times de futebol com as escolas das comunidades. Trouxemos a harmonia para a avenida, no calor das baterias.

- Bateau Mouche na virada do ano de 1988, queda do avião da TAM em São Paulo, Torres Gêmeas, entre outros.

- Negociações com o TSE nos períodos de eleições sobre os horários políticos. Reuniões tensas e, em uma das ocasiões, quase fui preso.

- Projeto de Lei na Câmara de Vereadores de São Paulo na aprovação do horário dos jogos de futebol. Dezenas de jantares, almoços e cafés da manhã. Cheguei a marcar horário com um vereador médico com nome falso, e durante a consulta consegui convencê-lo a votar a nosso favor.

- Réveillon na Paulista, uma criação nossa e com o tempo se tornou uma das maiores do Brasil.

- A valorização da cultura regional. Conseguimos parcerias importantes com organizadores da Festa de Achiropita, Festa de San Genaro, entre outras.

Mas o mais valioso foram, sem dúvida, as amizades construídas, as parcerias duradouras e os aprendizados diários que só uma rotina intensa como essa pode proporcionar. Comecei essa jornada com entusiasmo, mas também com muitas incertezas. A televisão me ensinou que o tempo passa rápido, mas as boas histórias, essas ficam para sempre. Foram 40 anos de fortes emoções.

Qual sua análise do atual cenário da Globo no mercado de TV aberta?

Antonio Zimmerle - A TV Globo segue líder de audiência. É incontestável seus ratings, bem como o share de sua participação no mercado publicitário. A TV Aberta no Brasil sempre terá uma relevância como um veículo que tem a possibilidade de atingir mais de 220 milhões de pessoas em sua cobertura satelital, em um país que é um continente.

O streaming ocupa hoje uma participação no mercado que era ocupada pela TV paga, não conquistando um público novo. Houve uma adequação dentro deste mercado, trazendo a diminuição da participação do cabo para ser a participação do mercado do streaming.

O cabo, que chegou a 19 milhões, hoje está presente em 9 milhões de lares. Mas o crescimento do streaming segue a expansão do mercado online, mas sempre vai necessitar de um conteúdo local de relevância que não pode ser feito em Nova York ou Miami.

A Globo anunciou investimentos de mais de R$ 5 bilhões em 2024. Os recursos são destinados à produção de conteúdo para TV aberta, GloboPlay e canais pagos, além de melhorias tecnológicas para suportar a distribuição e produção desses conteúdos.

A emissora também está apostando na convergência entre TV aberta e streaming por meio da TV 3.0, que permite uma experiência integrada nos aparelhos de TV conectada.

Embora a Globo enfrente desafios significativos, seus investimentos em transformação digital e conteúdo de qualidade têm o objetivo de ajudar a recuperar sua audiência. A integração entre TV aberta e streaming representa uma estratégia promissora para a emissora se adaptar às mudanças no mercado e reconquistar a preferência do público.

Quais são os aspectos fundamentais que uma emissora de televisão deve priorizar para manter relevância e fidelidade do público no Brasil?

Antonio Zimmerle - Para uma emissora de televisão manter relevância e fidelidade do público brasileiro, ela precisa focar aspectos fundamentais, como:

- Conteúdo de Qualidade e Relevância Cultural: Novelas, jornalismo, esportes e entretenimento ainda são pilares da audiência brasileira. Investir em narrativas que reflitam a realidade do país, com diversidade de personagens e temas regionais, é essencial.

- Inovação na Linguagem e Formatos: Novos formatos como realities interativos com participação multiplataforma. A linguagem deve ser mais dinâmica e digitalizada, para dialogar com as novas gerações.

- Integração com Plataformas Digitais (TV + Streaming + Redes): O brasileiro já consome muito conteúdo via celular e streaming. Ter presença forte no YouTube, Instagram, TikTok e streaming próprio (como o Globoplay) não é mais opcional.

- Regionalização e Identidade Local: Emissoras que valorizam o conteúdo regional (como notícias locais, festas típicas, cultura popular) se conectam mais fortemente com suas comunidades. Programas jornalísticos locais ainda têm grande relevância na TV aberta.

-Tecnologia e Experiência do Usuário na TV 3.0 para: Integrar os canais de TV com a internet,  permitir a personalização da programação, proporcionar uma experiência integrada de televisão e internet, proporcionar uma sensação de imersão ao assistir a programação,  revolucionar a percepção de cores, claridade e contraste, permitir o acesso a conteúdos sob demanda e investir em qualidade de imagem, som e interatividade será diferencial com a chegada da TV 3.0, que une o poder da TV aberta com as funções de streaming e personalização.

- Acessibilidade e Inclusão Legendas: libras, audiodescrição e programação diversa são essenciais. Representatividade importa: o público se conecta com aquilo que reflete sua realidade.

- Relação de Confiança com o Público: O jornalismo ainda é um dos ativos mais fortes da TV aberta no Brasil. Credibilidade, imparcialidade e agilidade fazem diferença. Transparência e posicionamento social também contam pontos com audiências mais jovens e conscientes. Se a emissora souber equilibrar tradição com inovação, pode transformar a fidelidade do público em uma relação duradoura, mesmo diante da concorrência com as plataformas digitais.

Como você vê a evolução da televisão aberta no Brasil, especialmente com o crescimento do streaming? Você acredita que a TV aberta continuará sendo uma fonte principal de entretenimento e informação?

Antonio Zimmerle - A televisão aberta no Brasil não vai simplesmente desaparecer com o avanço do streaming, mas vai evoluir e encontrar um novo papel no ecossistema de mídia.

- O crescimento do streaming como Globoplay, Netflix, Prime Vídeo, YouTube, TikTok entre outras, está absorvendo grande parte de tempo de tela do brasileiro.

- O consumo On Demand, sem intervalos, personalizado e acessível em qualquer tela é muito atraente, especialmente para o público mais jovem.

- Segundo o Kantar IBOPE (dados de 2024), vídeo sob demanda já superou a TV por assinatura e avança também sobre a TV aberta. Sim, a TV aberta ainda tem força e continua sendo a principal fonte de informação e entretenimento para milhões de brasileiros, especialmente nas classes C, D e E e em regiões onde o acesso à internet de qualidade é limitado.

As emissoras precisam ter profissionais que entendam a necessidade de através de pesquisas de mercado, ousar desenvolver grade de programação que não represente uma cópia mal feita da emissora líder.

A sensibilidade em interpretar essas pesquisas tem de levar ao desenvolvimento de formatos locais, dispensando a importação de formatos prontos e entendendo a cultura deste país. Onde estão os novos talentos? Sempre perto de quem pergunta! Programas ao vivo, jornalismo confiável, novelas e futebol continuam liderando a audiência em massa.

Durante eleições, pandemias ou eventos nacionais, a TV ainda é o coração do debate público. No que eu acredito: A TV aberta vai mudar, mas não vai morrer.

\"A TV aberta não vai morrer, vai evoluir\", afirma Antonio Zimmerle, ex-diretor da Globo

Trabalhar com ícones da TV brasileira, como José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), deve ter sido uma experiência única. Quais aprendizados dessa convivência você considera mais valiosos para sua carreira?

Antonio Zimmerle - Trabalhar com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, é uma experiência única e extremamente enriquecedora. A convivência com ele me trouxe uma série de aprendizados valiosos, especialmente nas áreas de comunicação, produção, gestão de conteúdo e liderança. Eu posso listar alguns dos principais ensinamentos dessa relação:

- Visão estratégica e inovação: Boni foi um dos grandes responsáveis por transformar a televisão brasileira, especialmente a Globo, em um modelo de excelência em programação e gestão. Trabalhar com ele permite aprender a importância de pensar estrategicamente e sempre buscar inovação com foco no público.

- Rigor e excelência na execução: Ele é conhecido por seu perfeccionismo e atenção aos detalhes. Esse contato me ensinou que qualidade não se improvisa — é fruto de planejamento, disciplina e uma busca contínua pela excelência em cada etapa do processo criativo.

- Domínio do timing e do conteúdo: O Boni tinha um domínio profundo sobre o timing da programação e o comportamento do público. Isso me ajudou a entender como criar produtos midiáticos que gerem conexão real com as pessoas.

- Importância do trabalho em equipe: Boni sempre valorizou o trabalho coletivo. Ele sabia que o sucesso da televisão dependia de equipes bem integradas e comprometidas. A convivência com ele reforça a importância de saber liderar e também ouvir.

- Capacidade de adaptação: Ao longo de sua carreira, Boni soube se adaptar às mudanças tecnológicas e culturais, mantendo-se relevante. Isso mostra como a capacidade de se reinventar é essencial para longevidade profissional. Foi como ter uma aula viva de história, estratégia e arte.

Você defende que o futuro da televisão brasileira está na regionalização das grades de programação. Por quê?

Antonio Zimmerle - Se a gente pensa estrategicamente sobre o futuro da televisão brasileira — especialmente da TV aberta, que ainda é muito relevante — a regionalização das grades de programação faz todo sentido, por vários motivos.

- Proximidade com o público: As pessoas querem ver seus problemas, sotaques, festas e histórias na TV. Uma grade regionalizada cria identificação imediata: o público se sente representado. Exemplo: um telejornal local bem produzido tem mais apelo do que um nacional distante.

- Valorização da cultura local: O Brasil é um país enorme e diverso — o que funciona em São Paulo nem sempre funciona no Pará. Regionalizar permite explorar ritmos, tradições, culinária, artistas e pautas locais. Isso enriquece a programação e fortalece identidades culturais.

- Oportunidade comercial: Pequenos e médios anunciantes se interessam mais por mídia local do que por nacional. Uma grade regional abre espaço para publicidade segmentada e mais acessível. Isso gera receita extra para as emissoras e estimula o mercado local.

- Combate à queda de audiência: A audiência da TV aberta está em queda, especialmente entre os jovens. A regionalização pode segurar públicos fiéis, especialmente os que não se veem nos conteúdos atuais. É uma forma de reoxigenar a grade e diversificar a audiência.

- Complementar ao digital: Enquanto o streaming domina o nacional e global, a TV pode se especializar no local. TV regional + redes sociais locais são uma combinação poderosa para engajamento. A força da TV aberta está na regionalização, seguindo uma tendência mundial já observada nas networks americanas, como ABC, NBC e CBS.

- A necessidade de pensar global e agir local deixa um grande caminho para a televisão. As afiliadas têm uma grande importância na estratégia de audiência de uma rede de televisão, pois é onde elas podem e farão a diferença mostrando os problemas locais com toda a prosódia de cada região.

Minha opinião: O futuro da TV brasileira pode estar na sua capacidade de ser menos genérica e mais próxima. Regionalizar é um caminho natural para isso.

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